sexta-feira, 4 de julho de 2008

O Senhor dos Onze Pantanais

“O Senhor dos onze Pantanais”

Ele sobrevoava todos os pantanais. Era dito por todos que o Pantanal: são onze Pantanais.
Esse homem estava lá, eu vi... e todos “dizem” que viram.
Não há um ser que passe por aquelas beiradas, e não veja, aquela casa, de frente aquele rio imenso; que vem e que vai, Bolívia Paraguai Brasil Argentina; que navegue ou ande em terras por aquelas redondezas, onde essa casa imensa construída de pedra por um apaixonado pela sua mulher, dando a ela de presente: Uma casa de frente ao sol nascente onde todos os peixes moram, todas as aves voam e todas as barcas descem e sobem aquele rio, de frente a casa, construída por ele, o homem que sobrevoa todos os pantanais. Dito por todos, que o pantanal: são onze Pantanais.
Por amor, ele sobrevoava as beiradas do rio Paraguai, da Bolívia até a Argentina. Não há mulher nenhuma que esqueça o seu cheiro, o seu vento, a sua solidão deixada nas entranhas de todas as raparigas, varando os séculos; onde uma mulher, a primeira, foi homenageada com uma casa de pedra de frente ao imenso Rio Paraguai, em uma época onde nenhum homem poderia ter construído (não naquele local, não daquela forma) tal casa, em mármore, em pedra, e tudo por amor, só por amor. E desde então todas as casas construídas nessa imensidão de alagado corixo vazante rio baia areia de verde e azul dos onze Pantanais, são construídas por amor, para a amada, como uma prova de cuidado respeito e eterno amor por ela e pelos onze Pantanais. Dizem: que, por isso, o Pantanal está lá até hoje e ainda vivo. E que todos os forasteiros que ali chegam, e chegarão, saibam disso.
As mulheres, todas elas, ainda esperam a sua volta. Em cada casa construída nas beiradas, mora dentro dela um sonho, o seu sonho, a sua vontade de perpetuar no coração dos que amam além da própria vida, sem que lhes reste, mesmo que queiram, a morte; o amor não pode sobreviver de morte, só reconhece a vida. E assim foi e serão todas as casas ribeirinhas ás margens do Rio Paraguai, ou mesmo aquelas que adentrem sem rio e sem margem, onde vivem as vazantes, as baías, as baixadas e os corixos.
Dentre as casas, fez-se conhecida por todos que habitam os onze Pantanais, uma delas, e vive ela na beirada do rio que contempla amante e sereno, repleto de peixes, aves, e infinidades de sóis poentes e sóis nascentes, o Brasil. Ali morou esse homem que se espalhou, e se espalha há muito e por muitos e muitos anos, atravessando séculos.
Ele é calado, sorriso frouxo, um apaixonado pelos Pantanais. Nasceu ali, quando um barco descia o rio. Morava no barco. Quando o sol redondo e vermelho se despedia no horizonte, foi que D. Vitalina rompeu com um grito agudo a tarde que morria bela. Um grito de amor pela vida que vinha encher de alegria a noite que trazia do outro lado, de onde o sol se ia, a lua cheia e vermelha sorrindo para o acontecido em uma barco, para a vida desse homem, que com o tempo se tornou a Senhor dos onze Pantanais.
D. Vitalina, mãe do seu primeiro filho, sabia que ali nascia um homem que teria a duração de todos os Pantanais. A lua também sabia, tanto sabia que antecipou a vinda do menino para que Vitalina, a mãe, visse a beleza desse casamento entre sol e lua, o que poucas ou raras vezes acontece. O menino também viu ou, se não viu, registrou de tanto que a mãe contou. Tinha ele essa cara de lua e esse sorriso de sol, iluminando, brilhando, varando noite e dia, sempre em festa. E só amor trazia.
Todas as mulheres desejaram o Senhor dos onze Pantanais. Era sabido que ele desceria ou subiria o rio, ou adentrasse Nhecolândia, Paiáguas, Nabileque, Piquiri, Rio Negro, Tabaco, Aquidauana, Barão de Melgaço, Poconé, Cáceres e Miranda, para que todas elas, se mostrassem radiantes, na noite em que ele passasse, ou mesmo no dia que ele chegasse. Elas, todas elas, esperavam, perfumadas e belas, pelo Senhor dos onze Pantanais. Maridos, pais, irmãos, tios, cunhados, avôs, todos sabiam e viam o alvoroço de alegria tomar conta de suas mulheres, suas filhas e suas mães. Quando era sabido: o Senhor dos Pantanais sobrevoava por ali.
Ninguém nunca viu o Senhor dos Pantanais. Conta-se que apenas três mulheres o viram, e suspiraram dali pelo diante a vida inteira. E se perguntarem a elas, elas não dizem nada, suspiram! Três idades diferentes: uma velha, uma jovem e outra, menina.
As jovens, na proximidade dele, lavam seus cabelos com flores do campo, vão em busca de raras espécies de temperos e temperam suas comidas para os maridos, transformando esses dias, que podem durar no máximo três meses, em uma grande e imponente orgia. As velhas se enfeitam tanto, e saem de seus cansaços, e acabam sempre flechando um coração de homem jovem, tal é a sapiência delas trazida pelos anos. As meninas cavalgam pelos campos, salientando o gado, fazendo procriar a boiada. E logo arriscam um primeiro noivado.
Os filhos são feitos nessa época, até pelas mais velhas. Dizem: por isso, o Pantanal, ainda resiste, e existe e sustenta a mais bela coleção de aves, a mais populosa vida de peixes, o pôr e nascer do sol mais esfuziante e vermelho. E de todas as terras brasileiras, moram nos onze pantanais os bichos mais suaves, mais bonitos - podem ser vistos e apreciados correndo pelos campos, vazantes, capões e baixadas, onde a mata cresce em todos os onze Pantanais, aberta, generosa, como um mar verde infinito despontando invadindo se encontrando céu e verde, azul e mato: para a felicidade de todos os nossos olhos.
Os homens respeitam tanto esse Senhor (muito embora nenhum deles nunca o tenha visto com seus próprios olhos)que na proximidade dele, quando suas mulheres filhas ou avós se enfeitam e sorriem o dia inteiro, fazendo as guloseimas mais apetitosas, colocando seus vestidos mais belos, eles, os homens, se fartam de amor, são cuidados e amados como em nenhuma outra época do ano, aumentando assim o seu amor e seu respeito por todas elas.
Desde os tempos que ninguém sabe ou conta, conta-se que foram erguidas duas casas de pedra defronte ao Rio Paraguai, tanto no Norte como no Sul (que antes não era dividido). Já previa o Senhor, que o homem haveria um dia de faze-lo, dividir os pantanais. Era sabido por ele o que o homem é e não é capaz de fazê-lo.
Hoje, o Senhor dos Pantanais, homem elegante e belo, anda amedrontando feras, homens feras, que destroem, que vêm de longe sedentos por destruir e matar. Uma casa já foi destruída, destelhada, reduzida por homens que pouco se interessam pela história dos onze Pantanais. Para quem quer vê-la no seu final, ela está lá, em ruínas. Tanto que fizeram esses forasteiros com a natureza do lugar, que ela, a natureza, raivosa: comeu a terra, vomitou fogo, fez pesar o ar, mostrando o que pode ser feito por ela, a natureza - essa que nos deu de presente a terra, e mais, dentro dela: a maravilha dos onze Pantanais.
Ele avisou e avisa a todos que chegam nesse paraíso, no seu paraíso, que os onze Pantanais não podem e não devem resistir à ignorância dos homens. E que um homem ignorante é um homem destituído de terra. Não faz parte dessa natureza, vem de outro mundo, mas não da terra.
O Senhor dos Pantanais está lá, na ponta de uma barranca bem na frente dessa casa em ruínas, onde o sol ainda nasce vermelho e belo todos os dias: quem pode ver além... o verá. Na sua elegância e charme, com o seu chapéu na mão, acenando sorridente a todos que por ali passam.
E, espera ele, que todos cuidem e respeitem os onze Pantanais, como devem respeitar e amar as suas mulheres e a terra.
Eu o vi e o conheci. Sou uma das três mulheres que suspiram!
A menina.
Portanto: o que me resta é só escrever. E suspirar.

Um comentário:

Unknown disse...

Sensacional!
Amei O Senhor dos Onze Pantanais.
Parabéns Bel!