quinta-feira, 17 de setembro de 2009

do livro "diário de guria I"

Me fiz árvore desde pequena
foi quando adormeci
pela primeira vez
na minha casinha
lá do pé de manga
de manga carlotinha

ao fundo o poço
mais à frente
a casa
e todos os seus
pertences

dês do aí descobri
que sou parte
do despertence
e não dos pertences
da casa

daí do diante
me despertenci



Não pertenço a nada
Sou parte do despertençe de Tudo

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

" A ARQUITETA "

“A Arquiteta”
do livro “Cantos que Contam: Sonhos”


Eu desde menina tinha pouca serventia na vida, no cotidiano, na casa. Vivia construindo outras moradas; nunca estava no lugar que me cabia.
Um mundo diferente, sublime, distante, longínquo, teimava em riscar no meu horizonte todas as suas perspectivas arquitetônicas - nada do que existia nesse mundo conseguia superar o que se via no horizonte de minha casa.
Eu era uma arquiteta brilhante.
E morava sempre por ali, por essas casas, esses castelos, essas masmorras...
Me prendia, e me fazia soltar de longas e enormes argolas de ferro, quando alguém, vestido de negro como a noite, assolava diante dos meus pés prometendo-me vida eterna em um amor que nunca deixaria de ser revisto e revisitado por toda uma eternidade. E as argolas pesadas, soturnas, com um tilintar de ferro que toca a mármore fria se desprendiam de meus pequeninos pés como em um toque de mágica
E eu partia para outra casa, um castelo enorme, onde cavaleiros alados se colocavam enfileirados para a minha chegada triunfante em um dia ensolarado e belo.
E assim iniciava eu o dia em uma outra casa, a do amor eterno.
E por aí ia a minha vida passando como um meteoro rápido e rasteiro sem me dar tempo de habitar o lugar que a minha própria casa destinava para mim.
Eu sempre estava de partida para as minhas casas arquitetonicamente bem construídas, que me acompanhavam onde quer que eu estivesse ou pretendesse ir, elas iriam.
Até a construção de cada uma delas reinava o silêncio; não havia tempo para resmungos choradeiras confusões. Como uma pluma sonâmbula, ninguém percebia minha ausência, eu permanecia surda e quieta, sem que ninguém percebesse a mirabolante casa sendo construída.
Uns mais engraçadinhos soltavam gracejos do tipo:
O que ela está tramando!?
Eu fingia de surda, sem ouvidos para nenhum gracejo. Ninguém me tirava desse solene silêncio. Momento da mais sublime criação.
Algo mais importante pedia toda a minha atenção naquele momento, e qualquer que seja, mesmo um pequeno lapso de perda do tempo, poderia ruir uma construção inteira, e eu mais do que ninguém sabia disso. E me mantinha atenta quieta, como alguém que iniciou uma batalha e agora necessita chegar até o fim com coragem e determinação, não lhe restando um outro caminho que não seja toda uma construção se sustentando magnífica. Ou a mesma: desabando desmontando por sobre o seu próprio criador, pedra sobre pedra, poeira por sobre poeira, teto sobre teto...
Isso sim deveria ser o fim, o inferno, o que chamam de destino de todos, a morte: Ui! Menos o meu. Eu não queria isso nunca para mim. Sempre odiei a morte.
E me mantinha ocupada pelos cantos, sem chamar a atenção dos intrometidos, dos bisbilhoteiros, dos que ficam como pererecas grudados no tempo do outro. Assim meio gelados, gosmentos, grunhindo lentos, quase parados, amebas do tempo.
Eu tinha pressa corria, entrando em cada detalhe, não podia deixar um tijolo, uma pedra ruir, uma janela emperrar, um quadro fora do seu lugar, nenhuma cortina rasgar, tudo tinha que estar pronto e perfeito no seu mais delicado detalhe, para o grande dia quando todos poderiam entrar comigo na grande casa de minha história.
Os meus vassalos, os meus reis, os meus animais de estimação, as minhas gazelas, os meus príncipes, as minhas cobras, as minhas bruxas, os meus carrascos, a minha arquitetura abrigava o mundo inteiro.
E eu dona daquele palácio, daquela masmorra, daquela casinha, daquela mansão, daquele casebre, daquela oca, daquela senzala: Todas arquitetonicamente construídas em todos os detalhes por mim, passavam a ser mais uma de minhas moradoras.
Havia momentos que me jogava no chão dia e noite esfregando uma imensa casa, resmungando, olhando feio para os patrões, tramando a morte deles, com uma faca bem afiada e certeira para os seus peitos, cortando as carnes em picadinho como se cortasse cada membro da família. Outros dias eu acordava cantarolando assoviando para os quatro cantos do vento de tanta alegria ao dormir abraçada em uma cama imensa, onde estrelas tilintavam do céu por sobre a abóbada do teto, todas dedicadas ao meu amor eterno, ali dormindo nos meus braços, e distribuía presentes e beijos por toda a casa. Outros dias eu só olhava a todos de cima abaixo, gritando com todos os meus pulmões ordens e mais ordens. Às vezes infringia a lei do espaço e batia em alguns. Os menores, eu amarrava em algum tronco de alguma árvore. Me tornava insuportável nesses dias, o que me valeu um castigo, um exílio longe de minha família, num internato de meninas.
Mas nada detinha a construção de minhas moradas, mesmo um internato de meninas. Eu nasci predestinada a morar em outras casas, em outros mundos.
Por aqui passo, despercebida de mim e de todos.
Minha mãe dizia sempre e ainda diz que não passo de um monstro.
Os monstros não me assustam, pertencem ao reino dos mundos desabitados por mim. Eu não me assusto, nem com minha mãe, nem com ninguém, sou destituída totalmente de susto.
Minhas casas estão em outras paragens.
Gosto mesmo é de construir casas castelos masmorras senzalas casebres ocas museus mansões hospícios... E o que está fora de minha casa arquitetonicamente construída por mim em todos os seus detalhes, está fora de mim. Não me pertence.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Moradia

“Moradia”


Acabei de me decidir, morar no Céu

Pegarei um foguete que me levará até a Lua
da lua seguirei para Marte
depois Saturno
fazendo uma escala
no Poente
de onde possa ver o Firmamento

Para ter a certeza de não ter perdido a viagem

Não quero viagens longas
Nem sem paisagens belas
Quero uma viagem feliz
De coisas simples
Naturais
e Encantadas

Não aceitarei nenhum suborno

Levarei as pessoas que amo
Vou dormir o mais perto da Lua
De minha janela verei Venus
Do quintal a Terra
E escreverei cartas para todos
que comigo não quiserem

Vir morar no Céu.

A Vida Passa...

A vida passa tão ligeira

passageira

A vida passa tão rápida

traiçoeira

A vida passa tão bela

alegre

A vida passa tão lenta

atenta

A vida passa tão dura

dificil

A vida passa tão generosa

formosa

A vida passa tão linda

infinda

A vida passa tão sempre

para sempre